Introdução
Os números da inadimplência no Brasil revelam a dimensão do problema e ajudam a contextualizar a necessidade de um marco legal mais eficiente para a execução de garantias:
- Segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a taxa de inadimplência em financiamentos de veículos tem oscilado entre 3% e 5% nos últimos anos, com picos em períodos de crise econômica.
- No mercado imobiliário, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) registra taxas de inadimplência que variam entre 1,5% e 3%, consideradas baixas em comparação a outras modalidades de crédito, mas ainda assim significativas dado o volume e valor dos contratos.
- Pesquisas da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam que aproximadamente 30% das famílias brasileiras possuem algum tipo de dívida em atraso, sendo que cerca de 10% declaram não ter condições de pagar essas dívidas.
- O Banco Central do Brasil aponta que o tempo médio para recuperação de garantias no país é de aproximadamente 4 anos, enquanto em países com sistemas mais eficientes, como os Estados Unidos, esse prazo é de cerca de 1,5 ano.
- Estudos do Banco Mundial estimam que a ineficiência na execução de garantias eleva as taxas de juros no Brasil em aproximadamente 2,5 pontos percentuais, representando um custo adicional significativo para os bons pagadores.
Estes dados evidenciam que a ineficiência do sistema tradicional de busca e apreensão não é apenas um problema jurídico ou processual, mas um entrave econômico que afeta o mercado de crédito como um todo, justificando a busca por soluções mais ágeis e eficientes, como as propostas pelo Marco Legal das Garantias.
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O Marco Legal das Garantias: Visão Geral
O Marco Legal das Garantias, instituído pela Lei nº 14.711, de 2023, representa uma das mais significativas reformas no sistema de garantias do Brasil nas últimas décadas. Esta legislação surge como resposta a um cenário de ineficiência na recuperação de garantias, que historicamente contribuiu para elevadas taxas de juros e restrição de acesso ao crédito no país.
Origem e Motivação da Criação da Lei
A origem do Marco Legal das Garantias está intimamente ligada à percepção, tanto no setor público quanto no privado, de que o sistema brasileiro de garantias apresentava deficiências estruturais que comprometiam o desenvolvimento do mercado de crédito. Entre os fatores que motivaram sua criação, destacam-se:
- Diagnósticos internacionais desfavoráveis: Relatórios como o “Doing Business” do Banco Mundial consistentemente apontavam o Brasil como um dos países com maior dificuldade e tempo para execução de garantias, o que prejudicava o ambiente de negócios.
- Demanda do setor financeiro: Instituições financeiras e associações setoriais há anos defendiam a modernização da legislação, argumentando que a insegurança jurídica e a morosidade na recuperação de garantias elevavam o custo do crédito.
- Experiências internacionais bem-sucedidas: Países que implementaram sistemas mais eficientes de execução de garantias, como Portugal, Espanha e Chile, demonstraram redução nas taxas de juros e ampliação do acesso ao crédito.
- Sobrecarga do Judiciário: O modelo exclusivamente judicial de execução de garantias contribuía para o congestionamento do sistema judiciário brasileiro, já sobrecarregado com milhões de processos.
- Agenda de reformas econômicas: O Marco Legal das Garantias se insere em um contexto mais amplo de reformas estruturais voltadas para a modernização da economia brasileira e melhoria do ambiente de negócios.
O projeto de lei foi elaborado após extensas discussões técnicas envolvendo o Ministério da Fazenda, Banco Central, representantes do sistema financeiro, juristas e acadêmicos, buscando equilibrar a eficiência na recuperação de garantias com a proteção dos direitos dos devedores.
Objetivos Centrais da Nova Legislação
O Marco Legal das Garantias foi concebido com objetivos ambiciosos e multifacetados, que podem ser sintetizados em:
- Redução do custo do crédito: Ao tornar mais eficiente e previsível a execução de garantias, a lei visa diminuir o spread bancário e, consequentemente, as taxas de juros praticadas no mercado.
- Ampliação do acesso ao crédito: Com garantias mais seguras, espera-se que as instituições financeiras possam expandir a oferta de crédito, inclusive para públicos tradicionalmente menos atendidos.
- Desjudicialização: Ao criar mecanismos extrajudiciais para execução de garantias, a lei busca reduzir o número de processos no Judiciário, permitindo que este se concentre em questões mais complexas.
- Modernização do sistema de garantias: Alinhamento das práticas brasileiras com padrões internacionais mais eficientes, aproximando o país das melhores práticas globais.
- Segurança jurídica: Estabelecimento de regras claras e procedimentos bem definidos, reduzindo incertezas e interpretações divergentes que historicamente geravam insegurança no mercado.
- Equilíbrio entre eficiência e proteção: Embora focada na agilização dos procedimentos, a lei busca preservar garantias fundamentais dos devedores, evitando abusos e arbitrariedades.
Principais Mudanças Promovidas
O Marco Legal das Garantias introduziu diversas inovações no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para:
- Busca e apreensão extrajudicial: Talvez a mudança mais significativa, permitindo que, sob determinadas condições, a busca e apreensão de bens dados em garantia possa ocorrer sem necessidade de ação judicial.
- Centralização de garantias: Criação do Sistema Eletrônico de Garantias (SEG), uma plataforma unificada para registro, gestão e execução de garantias, aumentando a transparência e reduzindo custos operacionais.
- Ampliação das modalidades de garantia: Reconhecimento e regulamentação de novas formas de garantia, como a alienação fiduciária de bens não registráveis e a cessão fiduciária de direitos creditórios.
- Facilitação da portabilidade de crédito: Simplificação dos procedimentos para transferência de operações de crédito entre instituições financeiras, estimulando a concorrência.
- Regulamentação do agente de garantias: Figura que pode administrar garantias em nome de múltiplos credores, facilitando operações sindicalizadas e estruturadas.
- Aprimoramento dos leilões extrajudiciais: Modernização e padronização dos procedimentos para venda de bens apreendidos, incluindo a possibilidade de leilões eletrônicos.
- Clarificação sobre múltiplas garantias: Estabelecimento de regras claras para casos em que um mesmo bem serve como garantia para diferentes operações de crédito.
- Procedimentos específicos para diferentes tipos de bens: Reconhecimento das particularidades de cada categoria de bem (veículos, imóveis, máquinas, etc.), com procedimentos adaptados a cada realidade.
Estas mudanças representam uma verdadeira revolução no sistema de garantias brasileiro, com potencial para transformar significativamente o mercado de crédito nos próximos anos. A implementação efetiva destas inovações, no entanto, dependerá de regulamentações complementares, adaptações operacionais e, principalmente, da recepção destas mudanças pelo Judiciário e pelos operadores do direito.
Busca e Apreensão Extrajudicial: O Que Diz o Marco Legal
A introdução da possibilidade de busca e apreensão extrajudicial representa uma das mais significativas inovações do Marco Legal das Garantias. Esta modalidade permite que, em determinadas circunstâncias, o credor recupere o bem dado em garantia sem a necessidade de ingressar com ação judicial, representando uma mudança paradigmática no sistema brasileiro de execução de garantias.
Fundamentos Legais para a Execução Extrajudicial
O Marco Legal das Garantias estabelece os fundamentos jurídicos que permitem a busca e apreensão extrajudicial, criando um arcabouço legal que legitima este procedimento anteriormente inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. Entre os principais fundamentos, destacam-se:
- Princípio da autonomia da vontade: A lei reconhece que, se as partes expressamente concordaram com a possibilidade de busca e apreensão extrajudicial no momento da celebração do contrato, esta cláusula deve ser respeitada.
- Desjudicialização controlada: O legislador optou por permitir a execução extrajudicial, mas estabelecendo salvaguardas e controles que garantam o respeito aos direitos fundamentais do devedor.
- Eficiência econômica: A lei reconhece o impacto negativo da morosidade na recuperação de garantias sobre o mercado de crédito, adotando uma abordagem que privilegia a eficiência sem descuidar das garantias fundamentais.
- Segurança jurídica: Ao estabelecer procedimentos claros e detalhados, a lei busca evitar arbitrariedades e garantir previsibilidade tanto para credores quanto para devedores.
- Controle cartorário: A execução extrajudicial não significa ausência de controle, mas sim a transferência deste controle do Judiciário para os cartórios de registro de títulos e documentos, que passam a exercer importante função fiscalizadora.
Estes fundamentos demonstram a preocupação do legislador em criar um sistema que, embora mais ágil e eficiente, mantenha garantias mínimas para os devedores e esteja sujeito a controles institucionais que previnam abusos.
Condições e Requisitos para Aplicabilidade
A busca e apreensão extrajudicial não é aplicável indiscriminadamente a qualquer situação de inadimplência. O Marco Legal das Garantias estabelece condições específicas para sua utilização:
- Previsão contratual expressa: O contrato de financiamento deve conter cláusula específica prevendo a possibilidade de busca e apreensão extrajudicial, com destaque e assinatura específica do devedor, demonstrando sua ciência inequívoca.
- Alienação fiduciária regularmente constituída: O bem deve ter sido dado em garantia por meio de alienação fiduciária devidamente registrada no órgão competente (Detran para veículos, Registro de Imóveis para imóveis, etc.).
- Inadimplência comprovada: O devedor deve estar em mora, devidamente comprovada por meio de notificação prévia, com prazo para purgar a mora antes do início do procedimento extrajudicial.
- Valor mínimo da dívida: Em alguns casos, a lei estabelece valores mínimos para que o procedimento extrajudicial seja aplicável, evitando seu uso para dívidas de pequena monta.
- Ausência de contestação judicial: Se o devedor ingressar com ação judicial questionando a dívida ou o procedimento, a execução extrajudicial pode ser suspensa até decisão judicial.
- Bem localizável e identificável: O bem deve estar em local conhecido e ser claramente identificável (por chassi, matrícula, etc.), permitindo sua apreensão sem riscos de erro.
- Registro no Sistema Eletrônico de Garantias (SEG): Em muitos casos, será necessário o prévio registro da garantia no SEG, sistema centralizado criado pela nova legislação.
Estas condições demonstram a preocupação do legislador em restringir a aplicação do procedimento extrajudicial a situações onde há segurança jurídica suficiente, evitando controvérsias e potenciais abusos.