Introdução
No contexto das ações de busca e apreensão de veículos e ações revisionais de contratos bancários, um ponto comum entre esses processos é o contrato firmado entre o consumidor e a instituição financeira. A análise das cláusulas contratuais à luz do direito brasileiro, especialmente com base no Código Civil, revela que existem diretrizes fundamentais que devem ser observadas pelas partes envolvidas. Entre essas diretrizes está o princípio da função social do contrato, previsto no artigo 421 do Código Civil.
Função Social do Contrato
O princípio da função social do contrato visa garantir que os contratos, além de respeitarem a vontade das partes, também observem os impactos sociais das obrigações pactuadas, promovendo equilíbrio e equidade nas relações jurídicas. Embora o princípio do pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos) seja amplamente invocado pelas instituições financeiras, a função social do contrato impõe a necessidade de analisar os efeitos sociais do contrato, protegendo a dignidade das partes envolvidas, especialmente em relações de consumo.
Nas relações consumeristas, onde existe evidente desequilíbrio entre o fornecedor (bancos) e o consumidor, a função social do contrato busca mitigar os abusos contratuais. O contrato não pode visar exclusivamente o lucro da instituição financeira em detrimento dos direitos do consumidor, configurando uma relação jurídica mais justa.
Direito do Consumidor e Contratos Bancários
O Direito do Consumidor é um ramo do direito que protege o consumidor, que é a parte mais vulnerável nas relações comerciais. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regula essas relações, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 297, determinou que os contratos bancários também estão sujeitos às normas do CDC.
Dessa forma, além dos princípios gerais do direito contratual, como o pacta sunt servanda e a função social do contrato, os contratos bancários devem observar os direitos do consumidor, garantindo, por exemplo, transparência, clareza nas informações e o equilíbrio nas cláusulas contratuais.
Ação de Busca e Apreensão e a Defesa do Consumidor
A ação de busca e apreensão, prevista no Decreto-Lei nº 911/69, é um instrumento utilizado pelas instituições financeiras para reaver veículos financiados em caso de inadimplência. No entanto, a defesa do consumidor nesse tipo de ação pode ser embasada na análise de cláusulas abusivas, desequilíbrio contratual e na violação da função social do contrato.
Entre as cláusulas comumente impugnadas estão as que estabelecem juros remuneratórios abusivos, capitalização diária, e venda casada de produtos ou serviços. Além de identificar essas práticas abusivas, é essencial que a defesa do consumidor fundamente suas alegações nos princípios da função social do contrato e nas disposições do CDC.
Função Social do Contrato em Financiamentos Veiculares
Os contratos de financiamento veicular são frequentemente analisados sob a ótica da função social do contrato, uma vez que as instituições financeiras têm facilitado o crédito, aproveitando-se da hipossuficiência informacional dos consumidores. Muitas vezes, o consumidor, ao contratar o financiamento, não compreende conceitos como venda casada, juros abusivos e capitalização composta, o que o coloca em desvantagem.
Essa prática de conceder crédito sem observar a função social do contrato revela que os bancos visam o lucro excessivo, com contratos que, ao final, podem levar o consumidor a pagar mais de duas vezes o valor financiado. Esse desequilíbrio é evidenciado pelos valores exorbitantes que o consumidor paga no decorrer do financiamento, desconsiderando o impacto social do contrato e colocando o consumidor em situação desfavorável.
Conclusão
Nas ações de busca e apreensão, o advogado do consumidor deve utilizar, como fundamento de defesa, não apenas a existência de cláusulas abusivas, mas também a inobservância dos princípios da função social do contrato e do Código de Defesa do Consumidor. Ao desconsiderar a função social do contrato, as instituições financeiras acabam impondo condições desvantajosas ao consumidor, visando o lucro em detrimento do equilíbrio e da equidade nas relações contratuais.
Portanto, é essencial que o consumidor busque orientação especializada antes de contratar produtos e serviços financeiros, a fim de evitar os prejuízos decorrentes de contratos bancários desequilibrados e cláusulas abusivas que podem culminar em inadimplência e, consequentemente, em ações de busca e apreensão.