A VENDA DO VEÍCULO EM BUSCA E APREENSÃO: DIREITOS DO CONSUMIDOR E DEVERES DO CREDOR

Entenda os direitos do consumidor e os deveres do credor na venda de veículos em ações de busca e apreensão. Saiba como a legislação garante transparência e proteção ao consumidor.

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Introdução

A ação de busca e apreensão é uma medida judicial amplamente utilizada em contratos de alienação fiduciária, modalidade comum de financiamento de veículos no Brasil. Nessa modalidade, o bem financiado (geralmente um automóvel) serve como garantia do pagamento da dívida, permanecendo em posse do devedor, mas com a propriedade resolúvel em favor do credor até que a dívida seja quitada. Caso ocorra a inadimplência do devedor, o credor tem o direito de requerer judicialmente a busca e apreensão do bem financiado.

Após a apreensão do veículo, o credor fiduciário, na qualidade de proprietário, poderá vendê-lo para satisfazer o débito pendente. No entanto, a legislação estabelece um conjunto de direitos ao consumidor e deveres ao credor durante este processo, visando equilibrar a relação entre as partes e evitar abusos, garantindo a aplicação dos princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.

Este artigo explora os direitos do consumidor e os deveres do credor no contexto da venda do veículo em uma ação de busca e apreensão, à luz da legislação e da jurisprudência brasileira, além de analisar as obrigações legais de ambas as partes no âmbito do contrato de alienação fiduciária.

Busca e Apreensão: Entendendo o Procedimento

A alienação fiduciária em garantia, regulada pela Lei nº 9.514/97, foi criada como um mecanismo que permite ao credor a retomada rápida do bem financiado em caso de inadimplência, conferindo maior segurança jurídica às instituições financeiras. No contrato de alienação fiduciária, o devedor possui a posse direta do bem, enquanto a propriedade fiduciária do veículo é transmitida ao credor até o pagamento integral da dívida.

O procedimento de busca e apreensão segue o seguinte fluxo:

  1. Inadimplência: O devedor deixa de pagar as parcelas do financiamento, gerando o direito do credor fiduciário de requerer a busca e apreensão.
  2. Notificação Extrajudicial: O credor deve notificar o devedor extrajudicialmente, concedendo-lhe prazo de 15 dias para efetuar o pagamento da dívida, conforme previsto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 911/1969. Se o pagamento não for realizado, o credor pode ajuizar a ação de busca e apreensão.
  3. Ação de Busca e Apreensão: A ação é ajuizada, e o juiz pode conceder a liminar de busca e apreensão, autorizando a retirada imediata do bem.
  4. Apreensão do Bem: Após a apreensão, o devedor tem o prazo de cinco dias para purgar a mora, ou seja, pagar o valor das parcelas vencidas, com as devidas correções e encargos, e recuperar o veículo. Caso isso não ocorra, o credor poderá consolidar a propriedade plena do bem e vendê-lo para saldar o débito.

Direitos do Consumidor Durante o Processo de Busca e Apreensão

Embora a ação de busca e apreensão vise proteger o direito do credor fiduciário, o devedor/consumidor também possui direitos importantes, tanto durante o procedimento quanto no momento da venda do veículo. Esses direitos visam garantir que o processo seja conduzido de forma transparente e que o devedor não seja submetido a abusos.

1. Direito à Notificação Prévia

O primeiro direito do consumidor, antes mesmo do ajuizamento da ação de busca e apreensão, é o direito de ser notificado extrajudicialmente sobre a inadimplência. A notificação é um requisito essencial, pois oferece ao devedor a oportunidade de regularizar a situação antes que o credor ajuíze a ação de busca e apreensão.

A notificação deve ser realizada de maneira formal, geralmente por meio de cartório de títulos e documentos, e deve conter informações claras sobre o valor devido e o prazo para a quitação da dívida. Se o credor não realizar a notificação de forma adequada, a ação de busca e apreensão pode ser considerada nula.

2. Direito de Purgar a Mora

Após a apreensão do veículo, o devedor tem o direito de purgar a mora no prazo de cinco dias, conforme o artigo 3º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969. Isso significa que o consumidor pode quitar as parcelas em atraso, acrescidas dos encargos de mora e das custas do processo, para recuperar o bem.

Esse direito é essencial, pois oferece uma última chance ao devedor de regularizar a situação e manter o veículo. Caso o devedor exerça esse direito dentro do prazo legal, o credor é obrigado a devolver o veículo imediatamente, sob pena de ser responsabilizado por eventuais perdas e danos.

3. Direito à Informação e Transparência na Venda do Bem

Caso o devedor não purgue a mora, o credor poderá consolidar a propriedade plena do veículo e vendê-lo para quitar a dívida. No entanto, o devedor tem o direito de ser informado sobre o valor de venda do bem e sobre a destinação dos valores obtidos. A transparência é um dever do credor durante essa fase.

Além disso, o credor tem a obrigação de buscar o melhor preço possível na venda do veículo. Isso significa que ele deve adotar medidas razoáveis para que o valor obtido na alienação do bem seja o mais próximo do valor de mercado, garantindo que a dívida seja saldada de forma justa e evitando prejuízos ao devedor.

4. Direito ao Ressarcimento de Valores Excedentes

Se o valor da venda do veículo for superior ao montante da dívida, o devedor tem o direito de ser ressarcido pelo valor excedente. A legislação brasileira prevê que, uma vez quitada a dívida, inclusive os encargos e despesas relacionados à venda do veículo, qualquer saldo remanescente deve ser devolvido ao devedor.

Este direito assegura que o credor não obtenha enriquecimento ilícito às custas do devedor, e que o devedor não perca o valor correspondente ao que exceder o débito pendente.

Deveres do Credor na Venda do Veículo

A legislação impõe ao credor fiduciário uma série de deveres ao conduzir o processo de busca e apreensão e a subsequente venda do veículo. Esses deveres são fundamentais para proteger os direitos do devedor e garantir que o processo ocorra de forma justa e transparente.

1. Dever de Notificação e Boa-fé

O credor tem o dever de notificar o devedor adequadamente sobre a inadimplência e oferecer-lhe a oportunidade de purgar a mora. Esse dever decorre do princípio da boa-fé objetiva, que permeia as relações contratuais e impõe às partes a obrigação de agir com lealdade e transparência.

A falta de notificação adequada pode configurar violação desse dever e resultar na anulação da ação de busca e apreensão.

2. Dever de Obter o Melhor Preço na Venda do Veículo

O credor fiduciário deve adotar medidas para que a venda do veículo ocorra pelo melhor preço possível. Isso significa que ele deve promover a alienação do bem de forma pública, transparente e compatível com o valor de mercado do veículo, evitando que o bem seja vendido a um valor irrisório.

A jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento de que a venda do bem a um valor muito abaixo do mercado pode ser considerada abusiva, e o credor pode ser responsabilizado por eventual prejuízo ao devedor.

3. Dever de Prestação de Contas

Após a venda do veículo, o credor tem o dever de prestar contas ao devedor sobre o valor obtido com a alienação, detalhando as despesas e encargos associados à venda. Esse dever é essencial para garantir que o devedor tenha ciência de como o valor foi utilizado para quitar a dívida e para evitar que o credor retenha indevidamente qualquer quantia excedente.

4. Dever de Restituir o Valor Excedente

Conforme mencionado anteriormente, se o valor da venda do veículo for superior ao montante da dívida, o credor tem o dever de restituir o saldo excedente ao devedor. O descumprimento desse dever pode ensejar a responsabilização do credor por enriquecimento sem causa, além de acarretar sanções civis e indenizatórias.

A Função Social do Contrato e a Boa-fé

A função social do contrato e a boa-fé objetiva são princípios norteadores das relações contratuais no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente nas relações de consumo. No contexto de busca e apreensão, esses princípios impõem tanto ao credor quanto ao devedor o dever de agir de forma colaborativa, transparente e leal, visando o cumprimento dos direitos e obrigações de forma equilibrada.

A alienação fiduciária, embora favoreça o credor, deve respeitar esses princípios, garantindo que o processo de recuperação do crédito não se transforme em uma oportunidade de abuso ou exploração do devedor. Da mesma forma, o devedor deve agir de boa-fé, utilizando os mecanismos legais disponíveis, como a purga da mora, para regularizar sua situação e evitar a perda do bem.

Conclusão

A ação de busca e apreensão de veículos no contexto de alienação fiduciária é um instrumento importante para a recuperação de crédito, mas deve ser conduzida com respeito aos direitos do consumidor e aos deveres do credor. A venda do veículo após a apreensão é um momento crítico no processo, e exige a observância de regras claras quanto à transparência, boa-fé e respeito ao valor de mercado.

O consumidor tem o direito de ser notificado, de purgar a mora e de ser informado sobre a venda do veículo, enquanto o credor tem o dever de agir de forma diligente na venda do bem, buscando o melhor preço e prestando contas ao devedor. Somente com o respeito a esses direitos e deveres é possível garantir o equilíbrio nas relações contratuais e a proteção da dignidade do consumidor.

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