Introdução
A ação de busca e apreensão é um procedimento judicial amplamente utilizado nos casos de inadimplência de contratos garantidos por alienação fiduciária, especialmente no setor de financiamento de veículos. Esse procedimento tem como fundamento a retomada do bem pelo credor, em razão do inadimplemento do devedor. Todavia, surgem situações em que, mesmo com a dívida sendo objeto de negociação entre as partes, a apreensão do veículo pode ocorrer, gerando discussões sobre a sua legalidade e possíveis implicações jurídicas. Este artigo aborda a questão da apreensão do veículo durante a negociação da dívida, destacando os limites legais e as possibilidades de defesa por parte do devedor.
A Busca e Apreensão: Conceito e Fundamentos Jurídicos
A busca e apreensão é regulamentada pela Lei nº 13.043/2014, que alterou a Lei nº 10.931/2004, tornando mais célere o procedimento para o credor fiduciário retomar a posse do bem alienado em caso de inadimplência. O procedimento tem como fundamento principal o não pagamento da dívida, sendo o devedor constituído em mora após a notificação do débito. A mora se dá de forma automática, conforme preceitua o artigo 2º, §2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, que disciplina a alienação fiduciária de bens móveis.
Contudo, há situações em que o devedor tenta, extrajudicialmente, negociar a dívida com o banco ou instituição financeira, buscando alternativas que evitem a perda do bem. Neste contexto, surge o questionamento: a negociação da dívida impede a continuidade da ação de busca e apreensão?
A Negociação da Dívida e a Apreensão do Veículo
Em regra, a simples negociação da dívida não impede a continuidade da ação de busca e apreensão. Ou seja, enquanto não houver a quitação integral ou a formalização de acordo que impeça a execução da garantia, o credor fiduciário mantém o direito de requerer a apreensão do bem. Isso decorre do fato de que a mora do devedor se mantém até que o pagamento seja efetivado.
Contudo, é comum que, durante o curso de uma negociação, o devedor acredite que o simples fato de estar em tratativas com o banco seja suficiente para suspender ou impedir a apreensão do veículo. Esse equívoco pode gerar graves consequências, pois o banco, até que haja o efetivo pagamento, permanece com o direito de prosseguir com a ação.
Entretanto, se a dívida já foi quitada ou se o banco informou ao devedor que o pagamento encerraria a ação de busca e apreensão, a continuidade da ação após esse fato pode configurar abuso de direito e má-fé por parte do credor.
A Ilegalidade da Apreensão Após a Quitação da Dívida
Quando a dívida é efetivamente quitada durante o curso de uma negociação extrajudicial, a ação de busca e apreensão perde o seu objeto. Nesses casos, o credor não pode mais prosseguir com a apreensão do bem, uma vez que o motivo que fundamentava a medida — o inadimplemento — já foi sanado.
A continuidade da ação, mesmo após o pagamento, pode configurar má-fé por parte do credor, o que gera graves consequências jurídicas. A manutenção da apreensão do veículo, mesmo com a quitação do débito, é ilegal e, além disso, pode ensejar a responsabilização do banco por eventuais danos causados ao devedor, tanto de ordem material quanto moral.
Possíveis Medidas de Defesa
O devedor que se encontra em situação de quitação da dívida e ainda assim tem o seu veículo apreendido possui algumas alternativas jurídicas para resguardar seus direitos. A primeira delas é a apresentação de defesa na própria ação de busca e apreensão, alegando a extinção do débito e a ilegitimidade da manutenção da ação. Nessa defesa, é possível pleitear a imediata devolução do bem apreendido.
Além disso, o devedor pode ingressar com uma reconvenção dentro da mesma ação ou propor uma ação autônoma contra o banco, buscando reparação por danos morais e materiais, com fundamento na má-fé e no abuso de direito. A jurisprudência tem reconhecido, em casos semelhantes, o direito à reparação quando se comprova que o banco agiu de maneira desleal, prosseguindo com a ação mesmo após a quitação do débito.
Conclusão
A ação de busca e apreensão é uma ferramenta legítima para a proteção dos direitos do credor fiduciário. Contudo, é fundamental que seja utilizada dentro dos limites legais, respeitando os direitos do devedor, especialmente em situações onde há a negociação da dívida. A apreensão de um veículo, mesmo com a dívida quitada, configura um ato ilegal e pode resultar na responsabilização do credor por má-fé. O devedor, ao se deparar com tal situação, deve buscar seus direitos, seja através de uma defesa direta na ação de busca e apreensão, seja por meio de uma ação autônoma, a fim de obter a reparação dos danos sofridos.