Entendimento Jurisprudencial
As ações de busca e apreensão têm como principal objetivo a recuperação do bem financiado, usualmente um veículo, quando o consumidor encontra-se em mora. A localização do veículo é elemento essencial para que o banco possa efetivar a apreensão e, consequentemente, buscar a recuperação do crédito concedido. No entanto, essas ações apresentam algumas peculiaridades que, embora não descritas na legislação, são amplamente reconhecidas na prática forense. O presente artigo visa abordar tais peculiaridades, que podem passar despercebidas pelos operadores do direito, mas que são cruciais para o sucesso ou fracasso da ação.
Intimação do Devedor para Indicar a Localização do Veículo
Uma das peculiaridades mais interessantes nas ações de busca e apreensão é a possibilidade de o juiz determinar que o devedor indique a localização do bem. Não há entendimento consolidado sobre a obrigatoriedade de o devedor cooperar com essa determinação, e os magistrados divergem sobre a questão.
De um lado, há juízes que, com base nos princípios da boa-fé e da cooperação processual, entendem que o devedor tem o dever de informar a localização do veículo. Esse entendimento se alinha ao dever de ambas as partes de contribuir para o andamento regular do processo.
Por outro lado, uma corrente jurisprudencial entende que localizar o veículo é um ônus que recai exclusivamente sobre a instituição financeira. Em situações onde o veículo não é encontrado, cabe ao banco a opção de converter a ação de busca e apreensão em uma ação de execução, abrindo novas possibilidades para a satisfação do crédito. A ausência de previsão específica sobre o tema no Decreto-Lei nº 911, de 1969, permite essa dupla interpretação, o que torna a decisão uma questão de discricionariedade judicial.
O Prazo para Purgação da Mora e Sua Contagem em Dias Corridos
Outra peculiaridade relevante refere-se ao prazo para a purga da mora, que é de 5 dias corridos a partir da apreensão do veículo. Ocorre que, sendo esse prazo contado em dias corridos, surgem dúvidas sobre como proceder quando o início ou o término desse período ocorre em finais de semana.
De acordo com a jurisprudência majoritária, o início do prazo em finais de semana não altera a contagem, uma vez que os bancos estão abertos em dias úteis subsequentes, permitindo o pagamento. No entanto, se o término do prazo de purga da mora coincidir com um final de semana, alguns tribunais têm entendido que o prazo deve ser prorrogado para o próximo dia útil. Isso se justifica pelo fato de que, em muitos casos, as quantias envolvidas são elevadas e exigem operações bancárias presenciais.
A Devolução do Veículo Após a Purgação da Mora
A devolução do veículo após a purgação da mora também é um ponto de divergência na prática. Alguns magistrados entendem que, uma vez realizado o pagamento dos valores em mora, o veículo deve ser imediatamente restituído ao consumidor, mantendo-se o processo apenas para discussões sobre o mérito, provas e eventual sentença.
Por outro lado, há juízes que consideram mais prudente aguardar a sentença para determinar a devolução do veículo. Nesse entendimento, o veículo permanece com o banco ou com o fiel depositário até que a decisão judicial final seja proferida, evitando possíveis riscos de fuga do bem para outra localidade ou comarca.
O Mito do Pagamento das Parcelas em Atraso
Uma confusão recorrente entre consumidores e até alguns advogados diz respeito à possibilidade de suspensão ou extinção da ação de busca e apreensão mediante o pagamento das parcelas em atraso. No entanto, o Decreto-Lei nº 911/1969 é claro ao estabelecer que a busca e apreensão não se limita às parcelas vencidas, mas abrange também as parcelas vincendas, o que transforma a purgação da mora em uma quitação antecipada do contrato.
Nesse cenário, é importante destacar que, ao realizar o pagamento antecipado, o consumidor tem o direito de requerer o abatimento proporcional dos juros, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor. Esse recalculo dos valores, excluindo os juros não devidos, pode ser uma vantagem adicional para o consumidor, embora não suspenda, por si só, a ação de busca e apreensão.
Considerações Finais
As peculiaridades tratadas neste artigo refletem a complexidade prática das ações de busca e apreensão e a importância de uma atuação jurídica bem informada e estratégica. Muitos dos pontos discutidos, como a intimação para a localização do veículo, a contagem do prazo de purgação da mora em dias corridos e a devolução do veículo, não possuem regulação expressa na legislação, sendo resolvidos por meio de interpretações jurisprudenciais ou pela discricionariedade judicial.
Diante dessas nuances, é crucial que o advogado especializado em busca e apreensão se mantenha constantemente atualizado quanto aos entendimentos dos tribunais superiores e das cortes estaduais. O conhecimento dessas peculiaridades pode fazer a diferença no resultado da ação, seja na proteção dos interesses do banco, seja na defesa dos direitos do consumidor.