VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM: SE O BANCO PROMETEU NEGOCIAR E ENVIAR OS BOLETOS PARA VOCÊ ELE NÃO PODE APREENDER O SEU VEÍCULO

Entenda como o princípio do venire contra factum proprium pode proteger devedores de ações de busca e apreensão contraditórias por parte de bancos. Saiba como a justiça está agindo para garantir o respeito ao direito bancário.

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No cenário jurídico brasileiro, o princípio do venire contra factum proprium tem ganhado destaque crescente, especialmente no âmbito das relações contratuais entre instituições financeiras e consumidores. Este princípio, que em essência proíbe o comportamento contraditório, tornou-se particularmente relevante nos casos de busca e apreensão de veículos com parcelas em atraso, onde bancos por vezes adotam condutas inconsistentes que podem prejudicar os direitos dos devedores.

Este artigo se propõe a examinar detalhadamente a aplicação do venire contra factum proprium no contexto específico das ações de busca e apreensão de veículos financiados, focando na proibição imposta aos bancos de adotarem um comportamento contraditório. Analisaremos situações em que instituições financeiras negociam com devedores e, simultaneamente, agem nos bastidores para ajuizar ações de busca e apreensão, culminando na tomada do veículo.

O princípio do Venire Contra Factum Proprium

Definição e Origem

O venire contra factum proprium, expressão latina que significa “vir contra seus próprios atos”, é um princípio jurídico que proíbe um indivíduo ou entidade de adotar um comportamento que contradiga sua conduta anterior, sobre a qual se formou uma legítima expectativa em outrem. Este princípio tem suas raízes no direito romano e foi desenvolvido ao longo dos séculos como uma aplicação concreta da boa-fé objetiva nas relações jurídicas.

Aplicação no Direito Civil Brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro, o venire contra factum proprium encontra respaldo no artigo 422 do Código Civil, que estabelece o princípio da boa-fé objetiva como norteador das relações contratuais. Sua aplicação visa proteger a confiança legítima entre as partes, promovendo a segurança jurídica e a estabilidade nas relações negociais.

Contexto: Busca e apreensão de veículos financiados

O Instituto da Busca e Apreensão

A busca e apreensão é um procedimento judicial utilizado pelas instituições financeiras para retomar a posse de bens móveis alienados fiduciariamente, como veículos, em casos de inadimplência do devedor. Este instituto está previsto no Decreto-Lei nº 911/1969 e tem como objetivo garantir ao credor a rápida recuperação do bem dado em garantia.

A busca e apreensão pode ocorrer em casos de inadimplência, mesmo durante negociações.

Inadimplência e Direitos do Consumidor

Quando um consumidor enfrenta dificuldades para honrar as parcelas de um financiamento de veículo, ele se encontra em uma posição de vulnerabilidade. O Código de Defesa do Consumidor prevê uma série de direitos e garantias para proteger o devedor nessas situações, incluindo a possibilidade de renegociação da dívida e a observância de procedimentos específicos antes da efetivação da busca e apreensão.

A contradição bancária na busca e apreensão

Negociação vs. Ação Judicial

Um cenário comum que ilustra o comportamento contraditório dos bancos ocorre quando a instituição financeira inicia tratativas de negociação com o devedor para regularização das parcelas em atraso e, simultaneamente, ajuíza uma ação de busca e apreensão do veículo. Esta conduta dual cria uma expectativa legítima no consumidor de que haverá uma solução negocial, enquanto, nos bastidores, o banco já se move para retomar o bem.

Impactos sobre o Devedor

O comportamento contraditório do banco pode resultar em sérios prejuízos ao devedor. Além do aspecto financeiro, há um significativo impacto emocional e prático, uma vez que o consumidor pode ser surpreendido com a apreensão do veículo enquanto acreditava estar em vias de regularizar sua situação através de negociação.

Aplicação do Venire Contra Factum Proprium neste contexto

Proteção da Confiança Legítima

A aplicação do princípio do venire contra factum proprium nestes casos visa proteger a confiança legítima do devedor, que, ao entrar em negociações com o banco, desenvolve a expectativa razoável de que terá a oportunidade de regularizar sua situação sem a perda imediata do bem.

Jurisprudência e Precedentes

Os tribunais brasileiros têm se manifestado cada vez mais no sentido de reconhecer a aplicabilidade do venire contra factum proprium em casos de busca e apreensão de veículos. Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de diversos Tribunais de Justiça estaduais têm invalidado ações de busca e apreensão quando comprovado que o banco agiu de forma contraditória, negociando com o devedor e, ao mesmo tempo, movendo ação judicial para retomada do bem.

Consequências jurídicas do comportamento contraditório

Nulidade da Ação de Busca e Apreensão

Em muitos casos, quando comprovado o comportamento contraditório do banco, os tribunais têm decidido pela nulidade da ação de busca e apreensão. Isso ocorre porque a conduta da instituição financeira viola o princípio da boa-fé objetiva e cria uma situação de insegurança jurídica para o consumidor.

Decisões judiciais têm reconhecido a violação da boa-fé quando há contradição nas ações bancárias.

Dever de Indenizar

Além da nulidade da ação, o banco pode ser condenado a indenizar o consumidor por danos materiais e morais decorrentes de sua conduta desleal. Isso inclui não apenas os prejuízos diretos causados pela apreensão indevida do veículo, mas também danos à reputação do consumidor e transtornos causados à sua vida pessoal e profissional.

Mecanismos de prevenção e boas práticas

Transparência nas Negociações

Para evitar situações que possam ser interpretadas como venire contra factum proprium, as instituições financeiras devem adotar práticas de total transparência em suas negociações com devedores. Isso inclui informar claramente sobre a possibilidade de ação judicial caso as negociações não sejam bem-sucedidas.

Protocolos Internos

Os bancos devem implementar protocolos internos rígidos que impeçam o ajuizamento de ações de busca e apreensão enquanto houver negociações em curso com o devedor. Isso pode incluir a criação de departamentos específicos para lidar com renegociações, com autonomia para suspender procedimentos judiciais durante as tratativas.

Capacitação de Funcionários

É fundamental que os funcionários das instituições financeiras sejam devidamente capacitados sobre os princípios éticos e jurídicos que regem as relações com os consumidores, incluindo o entendimento do venire contra factum proprium e suas implicações práticas.

O papel do judiciário

Interpretação e Aplicação do Princípio

O Poder Judiciário tem um papel crucial na interpretação e aplicação do princípio do venire contra factum proprium nos casos de busca e apreensão de veículos. Cabe aos magistrados analisar cuidadosamente as circunstâncias de cada caso, avaliando se houve de fato uma conduta contraditória por parte do banco que justifique a invalidação da ação judicial.

Uniformização da Jurisprudência

É importante que haja uma uniformização da jurisprudência sobre o tema, de modo a proporcionar maior segurança jurídica tanto para as instituições financeiras quanto para os consumidores. O STJ tem um papel fundamental nesse processo, ao estabelecer precedentes que orientem as decisões das instâncias inferiores.

Perspectivas futuras

Evolução Legislativa

Há uma crescente discussão sobre a necessidade de uma legislação específica que regule de forma mais detalhada os procedimentos de busca e apreensão de veículos, incorporando expressamente os princípios da boa-fé objetiva e a proibição do comportamento contraditório. Isso poderia proporcionar maior clareza e segurança jurídica para todas as partes envolvidas.

Mediação e Resolução Alternativa de Conflitos

Uma tendência promissora é o incentivo à utilização de mecanismos de mediação e resolução alternativa de conflitos nas questões envolvendo inadimplência em financiamentos de veículos. Essas abordagens podem proporcionar soluções mais rápidas e satisfatórias para ambas as partes, evitando a judicialização excessiva dessas questões.

Conclusão

A aplicação do princípio do venire contra factum proprium no contexto da busca e apreensão de veículos representa um importante avanço na proteção dos direitos dos consumidores e na promoção de relações contratuais mais éticas e equilibradas. Ao proibir o comportamento contraditório dos bancos, o ordenamento jurídico brasileiro reafirma seu compromisso com a boa-fé objetiva e a segurança jurídica.

É fundamental que as instituições financeiras adaptem suas práticas a essa realidade, adotando condutas transparentes e coerentes em suas relações com os devedores. Por outro lado, o Poder Judiciário deve continuar vigilante, aplicando o princípio de forma criteriosa e equilibrada, de modo a coibir abusos sem, contudo, inviabilizar o legítimo exercício dos direitos dos credores.

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